Resumo: em Julgamento iniciado em 7 de abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal decidiu suspender imediatamente a vigência de todas as patentes para “produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde” que estão atualmente em vigor, e que foram depositadas há mais de 20 (vinte) anos. Patentes já concedidas com extensão de prazo em outras áreas tecnológicas não são afetadas.
Em 7 de abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento da ação judicial proposta pela Procuradoria Geral da República (PGR) relacionado ao prazo de Patentes no Brasil. A discussão consiste em saber se, no Brasil, as patentes devem ser válidas somente pelo prazo de 20 anos contados a partir do depósito (i.e do protocolo) do pedido (como usual no mundo todo), ou se as patentes continuarão a receber o prazo mínimo de vigência de 10 (dez) anos, contados da data de concessão da carta-patente pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
De fato, como forma de remediar a demora no exame realizado pelo INPI, a Lei de Patentes brasileira (Lei 9.279, de 1996) garante o prazo mínimo de 10 anos a partir da emissão da carta-patente. Por várias razões, o INPI tem levado mais de 10 anos para examinar os pedidos de patentes, desencadeando a adoção de tal prazo mínimo para as patentes concedidas. Essa tem sido uma situação comum nas áreas tecnológicas com maiores atrasos no exame, como a área farmacêutica, química e de telecomunicações, onde milhares de patentes estão válidas por 25, 30 anos após o depósito, e, às vezes, até mais tempo do que isso.
Entretanto, sempre houve críticas contra tal dispositivo, principalmente devido à sensibilidade política envolvida na proteção de medicamentos. Os produtores brasileiros de medicamentos genéricos, bem como setores do sistema público de saúde, argumentam que a proteção mais longa conferida pela Lei de Patentes aumenta indevidamente o preço dos medicamentos, restringindo o acesso a tratamentos de saúde pela população e exigindo maiores gastos do governo, cenário que seria distinto caso todas as patentes expirassem após 20 anos do depósito.
O caso que está sendo julgado pelo STF é um tipo especial de ação (a “Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.529”), proposta pela PGR em 2016, visando a declaração de que o Parágrafo Único do Artigo 40 da Lei de Patentes infringe a Constituição brasileira (promulgada em 1988) e, como tal, não é uma regra válida:
Art. 40. A patente de utilidade terá o prazo de vigência de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade de 15 (quinze) anos, contados da data do depósito.
Parágrafo único – O prazo não será inferior a 10 (dez) anos para patentes de utilidade e 7 (sete) anos para patentes de modelo de utilidade, contados a partir da concessão, exceto quando o INPI estiver impedido de proceder com o exame substantivo do pedido, em virtude de pendência de decisão judicial comprovada ou por razões de força maior.
Existem várias entidades e associações intervindo na ação (amici curiae), tanto a favor, quanto contra a posição da PGR. Os que defendem que o dispositivo deve ser preservado argumentam que a Constituição brasileira não disciplina qual deve ser o prazo de patentes, e que o verdadeiro problema é a falta de recursos adequados para que o INPI examine as patentes rapidamente. Afinal, todos os titulares de patentes prefeririam ter suas patentes examinadas e concedidas em apenas alguns anos, em lugar de receber o prazo adicional de proteção porque exame durou mais de 10 anos.
Além disso, um dos motivos da demora no exame de pedidos de patentes no setor farmacêutico é o duplo exame, feito tanto pelo INPI quanto pela Agência de Vigilância Sanitária (“ANVISA”) brasileira, o qual não existe no resto do mundo, mas é obrigatório no Brasil devido a uma modificação feita em 1999 à Lei de Patentes.
O Brasil não permitiu patentes farmacêuticas de 1945 até a aprovação da Lei de Patentes de 1996, a qual foi uma consequência direta do Acordo TRIPs de 1994, um tratado internacional que faz parte dos acordos que criaram a OMC – Organização Mundial do Comércio. De acordo com o TRIPs, não é permitido que um país membro da OMC se recuse a conceder patentes em qualquer área tecnológica. Consequentemente, a lei mudou no Brasil, não sem protestos dos produtores brasileiros de genéricos. Desde então, o debate sobre patentes farmacêuticas tem grande peso em todas as discussões sobre patentes no Brasil, embora, atualmente, representem apenas 7,8% do total de patentes depositadas no país.
Após não ter logrado êxito na tentativa de aprovar um projeto de lei para revogar o Parágrafo Único do Artigo 40, a principal associação brasileira que reúne os produtores de genéricos (ABIFINA) apresentou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADI”) nº 5.061 em 2013, a qual foi indeferida pelo STF por motivo formal (qual seja, a falta de legitimidade da ABIFINA para ajuizar esse tipo especial de ação), fato que desencadeou o ajuizamento do ADI 5529 pela PGR em 2016, basicamente repetindo os argumentos anteriormente ajuizados pela ABIFINA. É, portanto, a ADI 5529 que começou a ser decidida em 07 de abril de 2021.
Atualmente, no Brasil, existem aprox. 32.000 patentes em vigor com prazo mínimo de 10 anos após a concessão, e aprox. 39.000 patentes em vigor que foram examinadas em menos de 10 anos, e que são válidas por 20 anos após o depósito. Em outras palavras, o atraso do INPI permitiu que 45% de todas as patentes em vigor no país gozassem da extensão do prazo, previsto no Parágrafo Único do Artigo 40. (Para efeito de comparação, a cada ano o INPI recebe aproximadamente 27.000 novos pedidos de patentes.)
Desde o início, havia várias possibilidades para o resultado da ADI 5529: por exemplo, se o dispositivo atacado (o Parágrafo único do Art. 40), fosse considerada válido, nada mudaria. Mas se fosse considerada inválido, o STF ainda teria que decidir se as patentes que foram concedidas com o prazo estendido, e que estão em vigor, seriam canceladas ou não e, mais ainda, se tal cancelamento seria retroativo, ou não.
O caso será futuramente decidido pelos 11 Ministros do STF em uma sessão plenária que estava originalmente agendada para ser realizada em 07 de abril, e provavelmente será marcada para as próximas semanas. Houve um adiamento devido à necessidade da Corte decidir outro caso com maior urgência.
Contudo, o relator, Min. Toffoli, devido a esse adiamento, e baseado em seu entendimento de que a questão do prazo das patentes é de especial relevância, decidiu conceder uma medida cautelar (“liminar”) suspendendo imediatamente a vigência de todas as patentes depositadas há mais de 20 anos nas seguintes áreas: “produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde”. A decisão não é retroativa, i.e. ela somente produz efeitos de agora em diante.
O Min. Toffoli adiantou a sua opinião quanto ao mérito do caso, proferindo um longo voto no sentido da inconstitucionalidade do Parágrafo Único do Art. 40. A decisão do Min. Toffoli permanecerá em vigor até que o Tribunal se reúna para proferir uma decisão final a respeito do assunto.
Em seu voto, o Min. Toffoli também determina a manutenção da vigência das patentes já concedidas nas demais áreas tecnológicas, ou seja, preservando o prazo estendido das patentes nas áreas de telecomunicações, química e outras, as quais não seriam afetadas pela decisão (esta é a chamada “modulação de efeitos” do STF).
Algumas últimas observações: é verdade que, pelo menos no Brasil, raramente ocorrem infrações de patentes pendentes (ou seja, ainda não concedidas). Assim, apesar da decisão favorável à PGR pelo STF, prevemos que o prazo normal de 20 anos a partir do depósito continuará a transcorrer sem infrações de terceiros. E, caso ocorra uma infração, existem alguns instrumentos à disposição do depositante da patente, ainda que o direito de propriedade (e os direitos exclusivos) de fato só surjam após exame, mediante a concessão da patente pelo INPI.
Uma vez concedidas, as patentes são um título legal muito forte no Brasil, devidamente protegidas pelos nossos tribunais. Apesar dos prejuízos trazidos, até este momento, por este julgamento para os titulares de patentes, estamos confiantes de que a conscientização sobre as atividades desenvolvidas pelo INPI, uma das consequências deste processo, motivará o governo a investir mais recursos no exame dos pedidos de patentes, contribuindo para a redução da demora no exame no Brasil.
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