Artigos
3 de fevereiro de 2014
Breves comentários acerca da proibição de registro de ‘slogans’ como marca
O artigo 124 da LPI – LEI DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (LEI 9679/96) elenca os sinais não registráveis como marca. No inciso VII encontra-se a recusa para sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda.
Revisitando o antigo regime jurídico dos sinais e expressões de propaganda (também conhecidos como “slogans”), notamos que o antigo Código da Propriedade Industrial (Lei 5772/71) previa registro para os sinais e expressões de propaganda. O registro tinha validade de 10 anos, podendo ser indefinidamente prorrogado por período igual e sucessivo, tal como as marcas.
A efervescente criatividade dos profissionais de marketing, a estonteante velocidade da informação e a concorrência acirrada podem ser apontados como alguns dos fatores que encurtaram a vida dos sinais e expressões de propaganda, que atualmente se renovam a cada estação. Nesse cenário, a proteção ad eternum do aludido registro perdeu seu propósito.
Com efeito, a LPI extinguiu o registro de sinais e expressões de propaganda, conferindo-lhes, por outro lado, expressa proteção no âmbito da repressão à concorrência desleal. O artigo 195 da LPI, em seu inciso IV, qualifica como crime de concorrência desleal o uso de expressão ou sinal de propaganda alheios, ou sua imitação, quando passível de criar confusão entre os produtos e estabelecimentos.
Não obstante a preservação dos direitos nas vias da coibição à concorrência desleal, tal mudança causou embaraços ao empresário na defesa de seus interesses. De forma geral, o título de propriedade que era assegurado pelo registro atribuia maior presunção de direitos, favorecendo a obtenção de medidas protetivas de emergência. No entanto, após 18 anos de vigência da LPI, o judiciário já se mostra adaptado ao novo sistema de proteção pela via da concorrência desleal.
A par da nova conformação jurídica da proteção dos “slogans”, a LPI também inclui no rol das proibições ao registro de marca (art. 124, VII) o sinal ou expressão empregados apenas como meio de propaganda. Nesse ponto, o legislador certamente não previu os embaraços que este dispositivo legal poderia causar aos depositantes de marcas.
As expressões ou sinais de propaganda prestam-se a recomendar, realçar a qualidade de produtos e/ou serviços e atrair a atenção de consumidores e usuários. São geralmente usados em cartazes, tabuletas, papéis avulsos, impressos em geral, ou demais meios de comunicação. As marcas, por sua vez, prestam-se a distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa. São apostas nos produtos. Devem ser sinais distintivos e visualmente perceptíveis!
Todavia, é fato que as marcas funcionam como códigos que sintetizam e fornecem informações importantes sobre produtos e/ou serviços, por exemplo, relativamente à qualidade destes, servindo de referência para que o consumidor possa readquiri-los, recontrata-los, despreza-los, recomendá-los ou desaconselha-los a terceiros. Outrossim, como negar que um sinal de propaganda exerce igualmente a função de distinguir produtos/serviços, ainda que não seja esta sua função primordial? Neste ponto, marcas e sinais ou expressões de propaganda convergem para o mesmo fim, pois desempenham, à sua maneira, as mesmas funções.
Nota-se também um paralelo entre marcas e sinais ou expressões de propaganda quanto à sua formação. Dentre os exemplos de elementos passíveis de uso como sinal ou expressão de propaganda citados nas antigas Diretrizes Provisórias de Análise de Marcas instituídas com a Resolução nº 051/97 do INPI, em suas recomendações para a aplicação do inciso VII do artigo 124 da LPI, incluem-se a legenda, palavra, combinação de palavras, desenhos, gravuras, etc.
Ocorre que todos estes, em princípio, são também passíveis de constituir marcas, seja isoladamente ou como um de seus elementos formadores. Isto é natural, já que são estas as mais básicas ferramentas de comunicação dos seres humanos e, portanto, utilizadas para os mais diversos fins, como marcar, anunciar, advertir, indicar, etc..
Assim, pode-se afirmar que uma mesma palavra, expressão ou figura, até mesmo frase, poderá estar apta a desempenhar tanto as funções de marca como de propaganda. Para estes sinais, será tão somente no pleno exercício de sua função que poderão ser corretamente qualificados como “marca” ou como “sinal de propaganda”, e jamais por sua aparência!
Esta ambiguidade dos sinais é reconhecida nas Diretrizes de Análise de Marcas (Resolução 260/2010), quando claramente estabelece um paralelo entre as funções da marca e do sinal de propaganda ao afirmar: “Tendo a marca a função intrínseca de identificar ou distinguir produtos e serviços de outros análogos, de procedência diversa ou não, carrega em si a função de meio de comunicação social.” Ora, como não atribuir igualmente ao sinal de propaganda a função de comunicação social ???
Tão complexa é a questão que o próprio INPI recomenda cautela aos seus Examinadores em suas aludidas Diretrizes de Análise de Marcas: “… a aplicação do inciso VII do art. 124 da LPI deve ser criteriosa, sendo aplicada apenas quando o caráter exclusivo de propaganda do sinal estiver evidenciado.”
Com forma orientativa, foram incluídos nas Diretrizes de Análise de Marcas do INPI alguns exemplos de sinais cujo caráter exclusivo de propaganda parece ser inegável. São exemplos bem conhecidos no mercado: “Insetisan. É um pouco mais caro, mas é muito melhor”; “Melhoral, é melhor e não faz mal”; “Tostines, vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”
Se a norma do art. 124, VII foi criada pelo legislador no afã de assegurar que as expressões e sinais de propaganda existentes não alcançassem o registro de marca, então a aplicação desta regra com base em mera presunção tomada pela aparência do sinal, ou seja, sem qualquer indício do uso rechaçado pela lei (qual seja, uso “apenas” como propaganda), deveria ser excepcional, criteriosa e rara.
Entretanto, a prática demonstra a aplicação indiscriminada desta regra pelo INPI a todos os sinais que “pareçam ser slogans”. As chances do empresário reverter uma decisão de indeferimento exarada pelo INPI dependem da possibilidade de demonstrar que o sinal já vem sendo empregado como marca. Ou seja, o convencimento deve ser feito através de fatos.
Ora, aqui paira orientação absolutamente discrepante do sistema de registro de marcas brasileiro. Afinal, aquele que possui pedido de registro de marca tem apenas uma expectativa de direitos sobre o sinal. Enquanto o sinal não é registrado, o uso que o empresário faz do mesmo no mercado pode configurar violação de direitos marcários de terceiros, com sérias consequências, inclusive a obrigação de indenizar. Infelizmente, ante os recorrentes problemas enfrentados pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, Órgão encarregado de aplicar a LPI, o exame dos pedidos de registro de marcas prolonga-se por anos e, segundo o artigo 129 da LPI, somente o registro assegura ao titular o direito de uso da marca em todo território nacional, com exclusividade. Logo, a obrigação de uso da marca só pode ter início após o registro ser concedido e, mesmo assim, a regra (art. 143 da LPI) é de que a marca comece a ser usada dentro de 5 anos contados da concessão e, depois disso, que o uso jamais seja interrompido por igual período.
Uma grande parcela de depositantes prefere não fazer uso de suas marcas antes do registro. Para estes, a mera alegação em recurso de que pretendem, no futuro, fazer uso do sinal como marca e não como sinal ou expressão de propaganda é considerada insuficiente pelo INPI, e seus pedidos de registro são indeferidos injustamente, com base em uma mera presunção do INPI a respeito do tipo de uso que será (ou não será!) feito do sinal submetido a registro.
Do ponto de vista técnico, para a correta aplicação da norma proibitiva do art. 124, VII, como fundamento de recusa ao registro de um sinal como marca é necessário que: (i) o sinal possua caráter exclusivo de propaganda; e (ii) o sinal não possua as qualificações necessárias para que possa exercer as funções de uma marca, tais como definidas na LPI.
Excluídas as hipóteses óbvias, qualificar um sinal distintivo como marca ou sinal de propaganda tão somente por sua aparência jamais será uma tarefa fácil. Há muitas características comuns a ambos.
De fato, andou bem o legislador quando extinguiu o registro das expressões e sinais de propaganda. Todavia, pesou a mão ao incluir estes sinais na lista dos irregistráveis.
O sistema de registro de marcas brasileiro já dispõe de mecanismos eficientes para punir aqueles que, inadvertidamente, obtêm registro para seus sinais em desacordo com as disposições da Lei de Propriedade Industrial, culminando com a nulidade do registro, com efeitos ex tunc, ou seja, a partir da data do depósito do pedido que originou o registro.
Além disso, há na LPI o instituto da caducidade que obriga o titular a usar sua marca, a fim de fazer jus à continuada proteção e direitos exclusivos decorrentes do registro. Iniciado o procedimento de caducidade de um registro, cumpre ao titular apresentar as provas de uso da marca. Se demonstrar uso do sinal como meio de propaganda apenas, seu registro será cancelado.
Em suma, parece-nos que se não houver no sinal pretendido qualquer fator que o caracterize exclusivamente como propaganda e o torne incapaz de exercer a função de marca, não caberá aplicar a norma proibitiva do inciso VII do artigo 124 da LPI.
Afora hipóteses evidentes, a única forma de qualificar corretamente um sinal distintivo como marca ou como expressão / sinal de propaganda será verificando a maneira pela qual vem sendo efetivamente usado no mercado. Como vimos, entretanto, somente após a concessão do registro tem início a obrigação legal de uso efetivo de uma marca. Logo, havendo dúvida no momento do exame do pedido de registro, a presunção deve ser a favor do Depositante, e não contra!
É o que basta, ou deveria bastar, para regular a matéria!
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