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Por Raquel Correa Barros

Agronegócio: desenvolvimento tecnológico e os riscos do uso de softwares sublicenciados

Em 2022, o agronegócio representou 24,8% do PIB brasileiro, segundo levantamento realizado pelo Centro de Estudos Avançados em Aconomia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. Em que pese essa apuração ter evidenciado uma queda de 4,22% com relação ao montante de 2021, é inegável a relevância deste setor econômico no mercado brasileiro, tornando-se hoje um dos pilares da nossa economia.

Além do indiscutível crescimento local, o Brasil cada vez mais alcança sua estabilidade como protagonista na produção agropecuária frente ao cenário internacional, sendo atualmente destaque como grande produtor e exportador de diferentes produtos, tais como soja, milho, carne boniva e de frango, café, suco de laranja. Todo esse crescimento econômico e representatividade no cenário do agronegócio mundial caminha lado a lado com o investimento que o Brasil intensificou no campo em conhecimento e inovações tecnológicas.

A primeira grande onda de inovação tecnológica no campo veio com o surgimento da Agricultura 3.0, caracterizada pela agricultura de precisão, através da utilização de GPS em máquinas agrícolas, e pela busca de práticas visando cada vez mais a sustentabilidade. A segunda onda, denominada Agricultura 4.0 ou Agricultura Digital, que atualmente estamos vivendo, é responsável pela automação, conectividade, geração de dados, além da utilização de ferramentas como a inteligência artificial e a robótica.

Nesse ambiente de desenvolvimento tecnológico, visando maior precisão e assertividade nas decisões tomadas no campo, cresceu também a necessidade de proteger tais inventos e criações, denominados Propriedades Intelectuais.

Os bens tutelados pelos Direitos de Propriedade Intelectual desenvolvidos no agronegócio, principalmente aqueles contemporâneos às duas grandes ondas de inovação (Agricultura 3.0 e 4.0) – os softwares e os implementos agrícolas –, têm sido fundamentais para garantir o protagonismo do agronegócio na economia nacional. Dessa forma, diante de toda a relevância econômica, por se tratar de criações resultantes de vultuosos investimentos, tanto financeiros quanto de conhecimento técnico, é inquestionável a necessidade de garantir a exclusividade de exploração desses inventos pelos seus criadores.

Neste sentido, a proteção à Propriedade Intelectual nunca foi uma tarefa fácil e hoje, com a velocidade que temos presenciado a criação das mais variadas inovações tecnológicas, esse desafio tem sido ainda maior. Um dos males que oferece risco constante às criações intelectuais, e de grande impacto para o momento tecnológico que o agronegócio vive com a Agricultura 4.0, é o uso indevido de software, que, além de violar os direitos de seus criadores, é, na maioria das vezes, extremamente nocivo ao consumidor.

Segundo levantamento realizado pelo Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) no ano de 2021, o consumo de produtos piratas gerou um prejuízo de R$336,8 bilhões aos cofres públicos. No cenário digital, segundo pesquisa realizada pelo State of the Internet Akami, estima-se que a pirataria gerou um prejuízo de RS287 bilhões para as empresas brasileiras. Quanto aos softwares, no relatório Software Management: Security Imperative, Business Opportunity, publicado em 2018, a Business Software Alliance (BSA) estimou que mais de 50% dos softwares utilizados na América Latina não são devidamente licenciados, ocasionando uma perda de receita aos desenvolvedores de aproximadamente 5 bilhões de dólares estadunidenses somente em 2017.

Como mencionado, o ambiente rural também tem sofrido uma verdadeira transformação ao longo dos anos com a intensificação do uso de novas tecnologias. Os avanços desenvolvidos para a indústria agro contribuem diretamente nas práticas de melhoramento genético, automatização da agricultura, desenvolvimento de defensivos agrícolas e rações, além de resultar na maior sustentabilidade na produção agrícola. A utilização de softwares se faz cada vez mais presente neste cenário tanto para auxiliar na gestão de ativos, quanto para o controle e monitoramento do tempo, insumos, fertilizantes, plantio, colheita; garantindo inclusive produções em conformidade com padrões de qualidade estabelecidos em contratos ou por legislações específicas.

Porém, juntamente com os avanços tecnológicos, é possível verificar o aumento da violação aos direitos de propriedade intelectual no campo, como é o caso do uso de softwares não licenciados, isto é, cópias piratas, ou em não conformidade com os termos de uso, que são responsáveis pela revolução tecnológica no agronegócio, em especial na agricultura de precisão.

A fim de tentar reduzir os impactos negativos gerados a partir do uso de programas irregulares, os desenvolvedores de software têm travado verdadeiras guerras contra o consumo ilegal de suas obras, executando várias medidas repressivas e buscando profissionais especializados para proteger as suas criações.

Hoje, através de sistemas de monitoramento especializado, que podem ser instalados junto com a licença do programa de computador, é possível identificar com precisão as utilizações em não conformidade, assim como os usuários responsáveis pela infração. Tais medidas colocam uma pá de cal na falsa ideia de anonimato, pois, com o apoio de medidas de monitoramento e aplicação da legislação específica, como o Marco Civil da Internet e a Lei de Direitos Autorais, os desenvolvedores de software têm ao seu alcance mecanismos que lhes permitem preservar e proteger os seus direitos e serem devidamente ressarcidos pelos prejuízos sofridos. Além disso, os desenvolvedores contam com técnicas de Open Source Intelligence, que utilizam dados disponíveis publicamente, para criar estratégias que visam mitigar o uso de licenças irregulares pelos usuários.

Os mais variados meios de fiscalização do aproveitamento econômico da obra autoral realizados pelos desenvolvedores de software têm respaldo não apenas no artigo 5, XXVIII, b, da Constituição Federal, como também nos Termos de Uso das licenças, conhecidos como End User License Agreement (EULA), que preveem – ou pelo menos deveriam prever -, informações relativas aos sistemas de segurança e outras iniciativas para gerenciamento de seus ativos.

Urge mencionar que os Tribunais brasileiros colecionam decisões hodiernas relativas ao uso indevido de licenças por empresas, destacando o caráter punitivo e educacional para elevar o quantum indenizatório, com jurisprudência consolidada que majora a reparação em 10 vezes o valor de cada licença violada, como destaca esse excerto do acórdão do REsp 1.403.865/SP, da Min. Relatora Nancy Andrighi, 3ª Turma do STJ, julgado em 07/11/2013:

A mera compensação financeira mostra-se não apenas conivente com a conduta ilícita, mas estimula sua prática, tornando preferível assumir o risco de utilizar ilegalmente os programas, pois, se flagrado e processado, o infrator se verá obrigado, quanto muito, a pagar ao titular valor correspondente às licenças respectivas.

Nesse contexto, os empresários, inclusive os que atuam no agronegócio, devem buscar medidas para garantir o respeito aos direitos intelectuais dos desenvolvedores de software e a fiscalização da atividade laboral de seus colaboradores, precipualmente devido à responsabilidade civil objetiva e solidária prevista nos artigos 932, III, e 933 do Código Civil e 104 da Lei de Direitos Autorais. Ou seja, independentemente de orientação interna da empresa, caso haja algum colaborador acessando licença em não conformidade na atividade laboral ou com o intuito de gerar algum proveito à empresa, o empresário poderá ser responsabilizado por isto.

Essa fiscalização deverá levar em consideração formas de violação à licença, tais como o uso de crack para burlar o licenciamento do software, inobservância às regras estabelecidas nos Termos de Uso, geralmente relativas ao perímetro de acesso, quantidade de computadores e usuários que poderão acessar a licença etc, razão pela qual é indicado a contratação de profissionais especializados.

Em regra, os desenvolvedores têm o poder de definir limitações explícitas de acesso à licença do software nos Termos de Uso, inclusive delimitando a quantidade de usuários ou equipamentos com acesso. Quando a licença é atribuída a um usuário específico, e o login não pode ser compartilhado com terceiros, tem-se uma licença personalíssima – cada vez mais difundida no mercado -; e o compartilhamento indevido do login com outros colaboradores da empresa, prática relativamente comum, poderá ser interpretado como violação aos direitos autorais do desenvolvedor, colocando o empresário em uma situação de risco jurídico.

As medidas de controle realizadas pelas empresas, somadas com as de fiscalização e enforcement dos desenvolvedores visam proteger não apenas os interesses próprios de cada um, como também do mercado como um todo, visto que muitos programas de computador piratas são manipulados por hackers para coletarem indevidamente informações dos usuários, que podem ocasionar uma verdadeira devassa na vida financeira de muitos empreendedores, além do risco de expor informações confidenciais.

Uma pesquisa realizada pela National University of Singapure, publicada em 2017, relativa aos riscos de cibersegurança devido ao uso de software não genuínos, encomendada pela Microsoft Operations, concluiu surpreendentemente que 92% dos novos computadores que estavam com licenças irregulares foram infectados por malwares, capazes de alterar a funcionalidade dos equipamentos e inclusive coletar dados particulares.

Hoje, a Agricultura Digital incorpora a automação e a conectividade em máquinas, drones, veículos autônomos e até mesmo sensores instalados em animais. Todas as informações para a produção são recolhidas por esses implementos tecnológicos e armazenadas em “nuvens”, formando assim um valioso banco de dados, na maioria das vezes contendo até mesmo segredos de negócio. A utilização de softwares piratas coloca todo o trabalho do empresário do campo em risco, visto que esses bancos de dados podem ser facilmente “vazados” para o mercado, até mesmo para um concorrente direto.

Ou seja, a utilização indevida de licenças de software no agronegócio deve ser uma prática condenada não apenas pelos desenvolvedores, como também pelos empresários, pois além dos riscos mencionados acima, tal conduta é entendida no mercado como concorrência desleal. Quando uma empresa utiliza softwares sublicenciados na produção, não há necessidade de repassar os custos envolvidos com o licenciamento nos serviços e produtos gerados, possibilitando a oferta de propostas com valores inferiores em relação às empresas em compliance, ferindo a livre concorrência pelo emprego de meios fraudulento para desvio de clientela.

Portanto, é inegável a necessidade de união de esforços para o uso em conformidade de licenças, inclusive nas atividades relacionadas ao agronegócio, pois o prejuízo gerado por essa prática atinge severamente todos da cadeia: o criador do software, os empresários, os consumidores finais e a economia nacional, ja que hoje o agronegócio responde por aproximadamente 24,8% do PIB nacional. Recomenda-se que tantos os desenvolvedores de software quanto os empresários busquem conhecimento técnico, por meio de especialistas, para resguardar os seus direitos e proteger os negócios gerados por esta indústria tão essencial para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

 

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